sábado, 28 de agosto de 2010

Capítulo XL



Em cima, as estrelas pareciam rir daquela situação inextricável.
Vá que a lua os visse! A lua não sabe escarnecer; e os poetas, que a acham saudosa, terão percebido que ela amou outrora algum astro vagabundo, que a deixou ao cabo de muitos séculos. Pode ser até que ainda se amem. Os seus eclipses (perdoe-me a astronomia) talvez não sejam mais que entrevistas amorosas. O mito de Diana descendo a encontrar-se com Endimião bem pode ser verdadeiro. Descer é que é demais. Que mal há em que os dois se encontrem ali mesmo no céu, como os grilos entre as folhagens cá de baixo? A noite, mãe caritativa, encarrega-se de velar a todos.
Depois, a lua é solitária. A solidão faz a pessoa séria. As estrelas em chusma, são como as moças entre quinze e vinte anos, alegres, palreiras, rindo e falando a um tempo de tudo e de todos.
Não nego que são castas; mas tanto pior, terão rido do que não entendem...
Castas estrelas! é assim que lhes chama Otelo, o terrível, e Tristram Shandy, o jovial. Esses extremos do coração e do espírito estão de acordo num ponto: as estrelas são castas.
... E rindo, daquele riso oblíquo dos maus, propunha comprar-lhe não só a alma, mas a alma e o corpo... Castas estrelas!

(Quincas Borba - Machado de Assis)

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